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10 de novembro de 2024

DEZESSETE


DEZESSETE
por Magnus Quandt de Freitas

Você tem 14, 15, 16 ou 17.

Sabe que seu tempo está acabando?

Um dia vai lembrar do 17, não vai lembrar direito dos dissabores do amor, nem do que vai acontecer daí para frente como lembrará deste tempo que está acabando, da sua casa, das suas coisas, de seus pais, de amigos infantis, imaginários ou não, dos bichos, da cama, de sua mãe, dos avós, dos amigos de escola, das brincadeiras e dos maravilhosos tolos sonhos que tinha.

Já que não pode aprisionar este tempo, não queira crescer, não queira “adultecer”, prefira “infanciar” o quanto puder, procure viver o que lhe resta deste tempo mágico, prefira o amor das coisas simples de criança, esprema as últimas gotas da inocência e o deguste calmamente, sem pressa, sem pensar no que a vida te reserva.

O maior dos sonhos estará em recordar o passado, em desejar imensamente revisitar a sua infância e este tempo tão curto e tão presente em sua existência.

Então, criança, seja criança o quanto puder, porque não há nada mais grandioso que este tempo que um dia, inocentemente, queríamos que passasse rapidamente.

10/11/2024

1 de novembro de 2024

SIMPLICIDADE (Crônica)

 


SIMPLICIDADE
por Magnus Quandt de Freitas


Eu estava caminhando pela rua onde cresci, procurando sinais da simplicidade. A sarjeta erodida pela chuva que descia a ladeira, mostrando a saliência das britas outrora encobertas pelo cimento. Nela corria a enxurrada e a molecada até o bueiro por onde a água sumia.

Cuidávamos de medir o tamanho da boca-de-lobo para não correr o risco de sumirmos bueiro a dentro e os tampávamos quando íamos jogar taco para não perdermos a bola.

A velha sarjeta estava lá. O asfalto novo, mais liso, encobria a antiga rua onde, por vezes, rolamos do carrinho de rolimã ou da monareta sem freio.

Ali, na ladeira, aprendi a jogar bola, tive meus primeiros tombos e fiz entre as traves de lata, tijolos ou chinelos, o primeiro magnífico gol. Também ganhei as primeiras marcas na canela, arranquei a primeira lapa do dedão direito (que me transformou num canhoto) e fiz a primeira grande defesa  - éramos atacante e goleiro na disputa de pênaltis ou no gol a gol, quando só estávamos em dois. No futebol solitário, com a parceria da parede toda manchada de boladas, era atacante, goleiro e locutor nas memoráveis partidas contra os baldes e todo o tipo de adversário que o improviso podia criar.

Vez ou outra a monotonia era quebrada por uma ninhada de cachorros de rua que resolvíamos adotar e tentar esconder da terrível e assustadora carrocinha que passava semanalmente pela rua. Então criávamos um comando para combater este inimigo cruel, cuidando dos cachorros, escondendo-os e acreditando, inocentemente, que as coisas se resolveriam como numa mágica, e que os cachorros estariam para sempre protegidos.

A mesma mágica encontrava em casa, quando a comida aparecia na mesa sempre no mesmo horário ou quando as roupas sujas reapareciam em nosso armário, limpas e dobradas.

Vi crianças indo em direção da mesma escola que todos frequentavam, fossem garotos dos cortiços, do BNH ou os filhos de doutor de roupa impecável e com dinheiro para comprar todos os dias um lanche na cantina.

Escola que tinha como momento sublime o recreio, rachas na quadra, correria no pátio e todo o tipo de brincadeira que a liberdade daqueles tempos permitia, sem o solitário  aprisionamento das tecnologias.

Descobri-me, de repente, que tinha habilidade com a bola. Mais do que ser um bom aluno, isso me dava “status” e respeito, me colocando fora das gozações (bullyng) e me mantendo nos melhores círculos de amizade entre os garotos.

Muitas lembranças, como filmes, passaram em minha cabeça.

Dizem que não devemos voltar a lugares onde fomos felizes, porque a felicidade não está mais lá, porque aquele lugar não nos pertence mais.

Aquele lugar é meu para sempre e buscar remanescências daqueles tempos, num muro que ainda resiste, numa calçada velha e desgastada, numa esquina, num banco de praça ou numa casa quase irreconhecível, traz de volta a essência do que sou hoje. É maravilhoso revisitar a felicidade da simplicidade, revisitar meus pais, irmãos e amigos que, por instantes, estavam todos ali,  correndo, brincando, gritando e sorrindo.

01/11/2024

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